#Coluna - Nas Entrelinhas - Instantes Eternos, por Ricardo Biazotto

Instantes Eternos
Ricardo Biazotto



Os nossos olhos se encontram e vejo em você a mesma doçura da tarde em que pela primeira vez meus lábios tocaram os seus, selando em definitivo o instante da minha felicidade eterna. A maciez de suas mãos me incendeia e o desejo por um beijo é instantâneo, embora os flashes de uma câmera determinem o limite do encontro de nossos corpos. Seu perfume invade os meus pensamentos e o seu sorriso me leva ao êxtase da paixão. Penso em acariciar a sua pele, seguir o ritmo de uma valsa ou mesmo despi-la de seus desejos, mas devo manter os meus próprios desejos em segredo.

Agora lhe entrego uma rosa. Este é o primeiro dia de nossos dias e quero que guarde algo que fique para a eternidade. No futuro as pétalas serão a maior relíquia de nossa história. Ainda que percam o perfume, a textura ou a cor, serão as testemunhas do que houve nesta praça florida em que agradecemos o nosso começo, planejamos o nosso meio e choramos o inevitável fim. Talvez por isso os flashes se multiplicam quando suas mãos se elevam para que sinta o perfume da rosa. Sua expressão de prazer revela exatamente o que tanto gostaria de encontrar e para mim isso basta.

Mas enfim esqueço os procedimentos padrões e faço pouco caso das orientações do fotógrafo que tão bem nos acolheu. Tenho absoluta certeza de como quero deixar este momento registrado e é o que me instiga a encontrar a sua face, unir nossos lábios e sentir o seu gosto. Sei que ser fotografado ao seu lado é mais do que apenas eternizar um momento — é transformar o eu em nós e o nós em amor.

Se preciso de algo a mais? Apenas o seu corpo junto ao meu.

Como se reviver este momento bastasse para ressurgir as lembranças de nossa lua-de-mel, olho para as fotos em minhas mãos, tentando esquecer as décadas que se passaram desde aqueles retratos. Posso ignorar o cansaço, os meus cabelos brancos e o trepidar de minhas mãos afetadas pela velhice. Mas não posso evitar a sua ausência, ainda que faça apenas algumas horas desde que beijei seus lábios gelados pela última vez e um tijolo qualquer cerrou a sua última morada.

Eu só quero que estas fotografias ganhem vida e eu possa reviver, mesmo que por apenas alguns instantes, o que o passado nos reservou. Depois disso, espero que venha me acompanhar antes que derrame lágrimas ao ver o pôr do sol sozinho pela primeira vez em cinquenta anos. Me leve para onde quer que vá. Irei mesmo que não apareça, mas venha me buscar, por favor. Apenas me leve, pois sem você não tenho razões para viver. Ou apenas não quero.

O que quero é recomeçar nossa vida em outra dimensão, ainda que nunca tenha acreditado em deuses e submundos pós-morte. Mas hoje, mais do que do nunca, espero descobrir que sempre estive errado e que essa vida não é a única pela qual passaremos antes do nosso fim eterno. Não pode ser apenas isso. Não aceito que as coisas aconteçam assim, com começo, meio e um fim trágico. É preciso que tenha algo a mais; eu exijo que tenha algo a mais.

Por isso fecho os meus olhos, não sem antes beijar as fotografias que carregam toda a nossa história de amor. Estará enganado quem pensar que nossa história chegou ao fim após um caminhão cruzar o caminho de seu carro em uma estrada qualquer. Este é apenas o fim de um capítulo. O próximo terá início quando vier me buscar e sei que o fará. Nunca recusou nada e dessa vez não será diferente, pois de tudo o que mais quero, apenas que você me leve é o que me importa. Nada além disso.

Sobre o Autor
Ricardo Biazotto nasceu em Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, em 1993. Participou de várias coletâneas literárias, entre elas Amor nas entrelinhas, Ponto reverso, King Edgar Hotel e Marcas Eternas, da Andross Editora, e organizou a Antologia Comemorativa dos quinze anos da Casa do Escritor Pinhalense Edgard Cavalheiro. É colunista da Revista Rosa News. Mantém o blog overshockblog.com.br.
Contato com o autor: ricardo.sep22@gmail.com

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