# Coluna - De Olho na Literatura - O Racismo na Obra de Lobato, por Ricardo Biazotto



O Racismo na Obra de Lobato
Ricardo Biazotto


Não é exagero dizer que uma obra literária tem como principal objetivo retratar a época em que foi escrita, além de também retratar algo do próprio escritor. Em maior ou menor escala, todos os livros possuem detalhes vivenciados de alguma maneira pelo autor, que pode apresentar suas ideologias políticas e religiosas, seus gostos musicais e literários, ou então descrever pessoas e cenas de seu próprio cotidiano.

O problema é quando uma obra passa a ser desvalorizada sem levar em consideração o seu contexto histórico. Esse, querendo ou não, deve ser fundamental para o entendimento de tudo que cerca um trabalho literário, por isso é inaceitável apenas imaginar que o valor cultural deste trabalho pode estar com os dias contados. Mesmo quando a obra é eterna.

Não é de hoje que a obra de Monteiro Lobato (1882-1948) ganha destaque nos noticiários por acusações racistas, que considero no mínimo exageradas. Entre outros casos, já foi solicitado que o livro “Caçadas de Pedrinho” (1933) fosse retirado da lista de leituras obrigatórias das escolas públicas brasileiras, por uma suposta alusão ao racismo. O mesmo aconteceu, por exemplo, com o menos conhecido “Negrinha” (1920).

A questão é que uma acusação contra Lobato ou qualquer de suas obras é de uma estupidez imensa. Mais do que isso, querer desvalorizar o conteúdo riquíssimo, de uma das mais brilhantes mentes de nosso país, é querer também ignorar a história do Brasil como um todo, como se impedisse que as novas gerações conhecessem o passado de seu próprio povo.

Monteiro Lobato era racista. Ponto final. Isso fica claro por suas declarações ao longo da vida, porém é preciso vê-lo como um homem a frente do seu tempo, que queria revolucionar a literatura, a economia e a política de seu país. No entanto, ao mesmo tempo em que era um homem polêmico, era também um homem de ideias brilhantes e isso que deve ser levado em consideração.

Tratá-lo apenas como um racista, como se isso diminuísse sua importância histórica e literária, não vai apagar a mancha deixada por todo o período de escravidão no Brasil, tampouco vai impedir que o racismo continue existindo em um país que não seria absolutamente nada sem a contribuição da cultura negra ao longo dos séculos.

O mesmo vale para as críticas sobre Lobato menosprezar os negros, como se uma de suas mais incríveis personagens, Tia Nastácia, não tivesse o poder de contribuir para o entendimento de que somos todos iguais, nesse caso em específico, independente de raças. Afinal, ao mesmo tempo em que supostamente ofende sua personagem, Lobato a descreve de uma maneira encantadora e bondosa, como se retratasse o verdadeiro povo brasileiro.

Antes de qualquer acusação, não se pode esquecer a época em que Lobato viveu e que tecnicamente está retratada em toda a sua obra. Pode ser errado, porém o racismo fazia parte da sociedade na primeira metade do século XX, ainda mais em pessoas como o escritor em questão.

Se fosse hoje, condenar Monteiro Lobato e evitar que seus livros fossem utilizados em escolas seria natural e aceitável, mas se na época isso não aconteceu, a ponto de ele se tornar um dos maiores escritores de seu tempo, por que isso deveria acontecer agora, mais de sessenta anos após a sua morte?

Apenas sugerir que seus livros não sejam estudados e discutidos, por exemplo, é um atentado contra a história literária de nosso país. Uma forma de censurar o homem que, cansado de ver as crianças lendo apenas histórias estrangeiras, criou um mundo mágico e inesquecível em que as últimas gerações sonharam, e ainda sonham um dia conhecer de perto.


Sobre o Autor
Ricardo Biazotto nasceu em Espírito Santo do Pinhal, São Paulo, em 1993. Membro da Casa do Escritor Pinhalense “Edgard Cavalheiro”, participou do Vol. 5 da Antologia Literária Pinhalense e da produção do documentário “Edgard Cavalheiro – Vida e Obra”. Publicou nos livros Equinócios de Amor e Amores Impossíveis, da Alcantis Editora, Sonhos (& Pesadelos), da APED Editora, e Dias Contados – Vol. 2, Moedas para o Barqueiro Vol. 3 e Amores (Im)possíveis, todos da Andross Editora. É colunista da Revista Rosa News e moderador do blog literário overshockblog.com.br. Contato: ricardo.sep22@gmail.com.

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